A notícia que chega de Recife é de um otimismo tão raro que merece ser devidamente dissecado. O Casarão da Várzea, um exemplar de chalé romântico anglófilo que passou mais de uma década mofando, coberto por mato, entulho e, presumivelmente, o espectro da preguiça estatal, finalmente ganhou um… tapume. Um tapume! Não é a restauração milionária, nem o museu multimídia, mas um pedaço de madeira isolando o terreno. E, pasmem, isso é festejado como “o primeiro passo concreto em anos”. A barra está realmente baixa quando a mera instalação de uma cerca é sinônimo de esperança.
A saga recifense, onde um Imóvel Especial de Preservação (IEP) de propriedade municipal foi solenemente ignorado até que latas de cerveja e a revolta popular virassem pauta, é um espelho. Mas, como todo espelho nordestino, ele reflete mais forte no vizinho. E é aqui que entra João Pessoa, a Capital da Paraíba.

Enquanto Recife comemora a cerca, a capital paraibana assiste a um triste espetáculo contínuo: o Centro Histórico como um set de filme de terror gótico. Por aqui, a paisagem de ruínas não é uma exceção, mas a regra. Casarões que já foram residência de figuras ilustres ou o centro do poder econômico, como alguns na Rua das Trincheiras e no Varadouro, que agonizam. Não apenas estão abandonados, mas parecem ostentar o abandono como uma medalha da falta de iniciativa.

Em João Pessoa, o problema se divide em duas categorias clássicas do drama patrimonial: o descaso público e o desinteresse privado, ambos embalados pela burocracia do tombamento.
Se o Casarão da Várzea, sendo municipal, era caso de inércia do poder público, a Paraíba tem sua própria coleção de estruturas históricas implodindo por dentro. Há anos se fala em dezenas de imóveis tombados em risco de desabamento iminente. Projetos como o PAC Cidades Históricas, que deveria ter ressuscitado a área, ficaram patinando em repasses e promessas, com pouquíssimas obras efetivamente entregues. O patrimônio pessoense não pede ajuda; ele cai.

A diferença irônica é que em João Pessoa, o casarão abandonado virou praticamente um gênero arquitetônico. Eles se tornaram moradias improvisadas, depósitos de lixo e, pior, buracos negros de segurança. O cartaz “Procura-se quem me abandonou” afixado em um desses imóveis pessoenses é uma metáfora precisa: a cidade, no seu processo de modernização e deslocamento da área nobre para a orla, virou as costas para sua própria certidão de nascimento.

O que Recife nos ensina é que, às vezes, o progresso começa de forma minimalista, com a singela promessa de um tapume para afastar o invasor. É um passo de tartaruga, mas é um passo fora da UTI.

Para João Pessoa, o Casarão da Várzea é um lembrete. Não basta sonhar com um projeto multifuncional de “cultura e economia criativa” (o novo mantra de toda revitalização), enquanto a essência da cidade se esfarela em vias públicas. Talvez seja hora de deixar de lado a poesia romântica das ruínas e agir com o pragmatismo do operário: limpar, cercar e, se possível, impedir que o passado da Paraíba continue sendo apenas um endereço para cães de rua e escombros. Afinal, a identidade de uma cidade não pode ser sustentada apenas pela beleza de suas praias, enquanto sua memória histórica é uma “Casa da Mãe Joana” esperando o próximo colapso.





