O projeto de requalificação dos parques públicos do Recife, entregue à gestão privada no início de 2024, encontrou um ponto de fricção na Zona Norte da cidade. Na última quarta-feira (5), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aplicou um embargo à Viva Parques, a concessionária responsável pelo Parque da Jaqueira, interrompendo intervenções que, segundo o órgão, avançaram sem a devida anuência na área de entorno de um bem de valor inestimável.

O núcleo do imbróglio reside na Capela de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras, um notável exemplar do barroco edificado em 1766, que ostenta o status de tombamento federal. O rigor na proteção se estende ao seu perímetro imediato, que compreende parte do icônico paisagismo assinado por Roberto Burle Marx, elevado à categoria de Jardim Histórico do Recife em 2015. A portaria federal 187/2010 do Iphan é clara ao exigir que qualquer alteração em espaços adjacentes a bens tombados seja precedida de análise e autorização prévia, o que, de acordo com o Instituto, foi negligenciado pela concessionária.

A tensão burocrática se aprofundou com a reação do consórcio público-privado. Em nota conjunta, a Prefeitura do Recife e a Viva Parques sustentaram não terem sido formalmente notificadas sobre o embargo. Argumentando que as obras estariam em conformidade com o licenciamento municipal, a declaração sinalizou um desalinhamento de procedimentos entre as esferas de gestão, federal e municipal, em um cenário de parceria público-privada. No entanto, o comunicado, apesar de contestar a notificação, afirmou a disposição de acatar e seguir as orientações futuras do órgão federal, indicando um recuo pragmático.
O episódio lança luz sobre a natureza das mudanças previstas pelo contrato de 30 anos da concessão, selado em março deste ano. A implantação de uma pista de pump track, uma modernização que atende a novas modalidades de ciclismo, implica na demolição de estruturas preexistentes – notadamente o circuito de bicicross e a área de caminhada com obstáculos, que era bastante utilizada pela população idosa. O choque entre a introdução de novas dinâmicas de lazer e a manutenção do equilíbrio histórico e social do parque coloca em pauta o planejamento integrado.

A situação na Jaqueira se configura como um estudo de caso fundamental para a gestão de parques sob concessão que abrigam patrimônio cultural relevante. A demolição de obstáculos de caminhada, já flagrada pela imprensa em julho, e a pressa em instalar novas estruturas sem a conclusão do trâmite legal federal, sugerem que a celeridade dos investimentos privados pode colidir frontalmente com os protocolos lentos, mas essenciais, da preservação histórica. O custo da modernização, neste contexto, não se limita apenas ao orçamento, mas à salvaguarda da memória da cidade.





