O sotaque do sertão sempre foi pintado em tons de areia, marrom desbotado e o verde sofrido de quem resiste à seca. Essa paleta monocromática e dramática, consagrada pelo sofrimento canônico, acaba de ser solenemente ignorada. Um jovem arquiteto de 26 anos, digital nomad por essência e nascimento, resolveu que a caatinga precisava de neon.

Julio Azevedo, ou @jinohul (anagrama simpático para “Julinho”), é o nome por trás de “Nordeste Onírico,” a série de ilustrações que abocanhou um Silver Award na categoria profissional do LADAwards. Se a ideia de misturar cangaceiros, coronéis e a Nossa Senhora com a estética vibrante, imponente e superpoderosa do anime japonês parece estranha, parabéns: você entendeu a jogada.

O exercício foi simples, mas disruptivo: pegar os arquétipos regionais que o país insiste em congelar no tempo, o Vaqueiro, o Repentista, o Caboclo de Lança e lhes dar um guarda-roupa de cosplay sofisticado. É um atestado de óbito para o mito do Nordeste como mera paisagem de tragédia. Julio o rebatiza: é, de fato, um “território de poesia.
Sua inspiração mais palpável vem do povoado de Caboclo, em Afrânio, Pernambuco, quase 800 km de Recife. O vilarejo, cenário de férias da família e tema do seu TCC na Arquitetura pela UFRN, não é mais um drama de Portinari. Nas mãos de Julio, ele é o backgound épico para a próxima temporada de uma série cyber-cordel, onde o Conta-Contos transita livremente entre ser um cordelista ou o mítico La Ursa.
Nascido em Petrolina, com passagens por Recife, Mossoró, e Natal, a vida de Julio foi uma sucessão de mudanças. Não por acaso, o garoto introspectivo que encontrou nas ilustrações uma forma de companhia, e que, claro, se apaixonou pela precisão técnica da Arquitetura, hoje trabalha com design em São Paulo. O Nordeste, aliás, tem essa sina: cria o intelectual na seca e exporta a mão de obra criativa para a metrópole.

Mas o exílio geográfico não o desvinculou. Pelo contrário. Ao transpor a dureza do sertão para a leveza onírica do digital, especialmente via iPad, Julio faz o que o algumas informações raramente conseguem: atualiza a imagem do Nordeste. Agora, o próximo passo é sair da tela e buscar a permanência física: ele já planeja testar a cerâmica fria. Resta saber se o Coronel de superpoderes, depois de tanta glória em láurea digital, vai aceitar ser modelado em argila. Mas, se a ideia é desmantelar estereótipos, que venham as novas formas.
O Vaqueiro de cores berrantes não é apenas uma ilustração; é um manifesto: o Nordeste já era cool e complexo. Só faltava dar o play no volume e aumentar o brilho.






