A iminente construção de um data center de R$ 50 bilhões, planejado pela Casa dos Ventos e destinado à ByteDance (controladora do TikTok), no Complexo Portuário do Pecém, em Caucaia (CE), se tornou o centro de uma intensa disputa. Comunidades tradicionais, em especial o povo indígena Anacé, e diversas entidades da sociedade civil questionam o licenciamento e os potenciais impactos ambientais e sociais de um empreendimento de magnitude inédita na região.

O temor principal reside na escalada do consumo de recursos essenciais. A instalação, que ocupará uma área equivalente a doze campos de futebol, terá um consumo energético inicial de 210 MW, podendo expandir para 300 MW, um volume que se equipara à demanda diária de mais de dois milhões de pessoas. Em uma região historicamente marcada por problemas de abastecimento, a necessidade excessiva de água para resfriamento levanta sérias preocupações sobre a escassez hídrica, agravada pela pressão já exercida pelas indústrias vizinhas do Pecém.
Licenciamento Contestável e Ausência de Consulta
A contestação escalou em agosto, quando um dossiê foi formalmente apresentado ao Ministério Público Federal (MPF) no Ceará. As entidades alegam um “grave descompasso regulatório”, apontando que o projeto foi enquadrado de forma simplificada, como “construção civil”, uma categoria de baixo a médio impacto, o que dispensou uma Análise de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) mais detalhada, apesar do porte do projeto.
A denúncia mais contundente, no entanto, é o descumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura o direito à consulta prévia, livre e informada de povos indígenas. Lideranças do povo Anacé, que há mais de duas décadas reivindicam o território, afirmam não terem sido ouvidas sobre o funcionamento do data center e seus riscos. Em protesto, os indígenas chegaram a ocupar a sede da Superintendência do Meio Ambiente do Ceará (Semace) em Fortaleza, cobrando o direito violado. O MPF, agora, investiga o caso.

A escolha do local, por sua vez, é vista como técnica e econômica. A proximidade com cabos de fibra ótica que chegam a Fortaleza e a potencial abundância de energia eólica são os principais atrativos. No entanto, o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) critica a política pública de atração de data centers internacionais, que inclui a concessão de isenções fiscais, questionando o real benefício para o país.
Além do alto custo em água, energia e ocupação territorial, as entidades alertam para a baixa geração de empregos após a fase de construção (estimada entre 20 e 40 postos de trabalho) e para a potencial perda de soberania sobre os dados. O Idec ressalta que as leis brasileiras permitem que apenas 10% dos dados sejam nacionais, enquanto a legislação americana pode garantir às big techs estrangeiras acesso irrestrito a informações de usuários brasileiros.

O dilema em Caucaia, portanto, transcende a questão ambiental, abrindo um debate nacional sobre os custos reais da infraestrutura digital e a necessidade de regulamentação clara para a transição tecnológica.





