O Brasil ostenta um dos cenários partidários mais peculiares e inflacionados do planeta. Com 29 legendas devidamente chanceladas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outras 24 na ‘sala de espera’, uma fila que mais parece um reality show de sobrevivência política, a nação demonstra uma notável capacidade de engendrar siglas, programas e estatutos. A proliferação, contudo, levanta um questionamento inevitável: se a pluralidade é saudável, o que exatamente justifica meio século de novos projetos ideológicos, quando a solução usual tem sido a aglutinação pragmática?
A legislação, ao invés de simplificar, adiciona camadas de complexidade quase performática. Para um novo partido sair do anonimato e entrar no jogo eleitoral de 2026, ele deve cumprir uma série de ritos de passagem. O mais pitoresco é o chamado “apoiamento mínimo”: é preciso garantir a benção de um número de eleitores não filiados que corresponda a um percentual minúsculo (0,5%) dos votos da última eleição para a Câmara, distribuído, como em um mapa da mina, em pelo menos um terço dos estados. O processo, mais do que uma prova de viabilidade ideológica, parece uma caça ao tesouro eleitoral.
Tudo isso, claro, deve ser orquestrado por um número mínimo de 101 fundadores, uma centena de indivíduos com seus direitos políticos intactos, espalhados em mais de 9 dos 27 entes federativos. Essa elite fundadora não apenas escreve a ideologia do novo grupo, mas, convenientemente, se auto-elege como a direção nacional provisória. Uma jogada mestra para garantir que os cabeças da ideia tenham o privilégio de guiar o barco diretamente para as benesses do sistema: tempo de rádio e TV e, sobretudo, acesso aos gordos repasses do Fundo Partidário.
Se a criação é um parto burocrático e minucioso, a sobrevivência pós-eleitoral é um jogo de fusões e incorporações que expõe o pragmatismo brutal da política. As regras de sobrevivência, especialmente a cláusula de barreira, empurram as siglas menores para os braços das maiores.
De 2022 para cá, o tabuleiro foi reorganizado por operações estratégicas. O casamento entre o PTB e o Patriota resultou no PRD, enquanto o DEM e o PSL conceberam o União Brasil. Tais uniões não são motivadas por um súbito arroubo ideológico de convergência, mas sim por uma fria contabilidade de votos.
A incorporação, onde um partido é literalmente absorvido por outro (como o Pros pelo Solidariedade e o PSC pelo Podemos), é o reconhecimento formal da falência da sigla menor. O texto é cristalino: o que importa, no fim das contas, é a soma dos votos obtidos para a Câmara em 2022. É essa soma que ditará a fatia do bolo do Fundo Partidário e o tempo de mídia. A ideologia pode ser flexível; o dinheiro, jamais.
O ciclo se fecha: cria-se um partido com uma pompa legislativa impressionante, faz-se uma dança de filiações e, inevitavelmente, quando a matemática não fecha, ele é engolido por um peixe maior para garantir o acesso a recursos. A política brasileira se mostra, assim, um ecossistema complexo onde a lei da fusão e da incorporação é a real prova de fogo para as muitas dezenas de siglas que insistem em habitar a nossa (hiper)democracia.
Fonte: TSE





