O que era para ser um duelo épico de projetos de lei, o Antifacção do Executivo contra o Antiterrorismo da Oposição, virou, na prática, um roteiro de comédia de erros burocráticos e um genial acordo de cavalheiros. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), com a elegância de um malabarista circense, conseguiu a proeza de unificar a agenda de segurança em um novo “filho”: o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado.

O segredo, desvendado nos bastidores, foi menos sobre ideologia e mais sobre a sacrossanta burocracia legislativa. A Secretaria-Geral da Câmara emitiu um “não” protocolar: projetos do Executivo e da Câmara não se misturam como água e azeite. A solução de Motta? Desengavetar tudo, rebatizar e tocar o sino.
O ponto central da contenda, a equiparação sumária entre facções criminosas (como o onipresente Comando Vermelho) e grupos terroristas internacionais, foi para o limbo.
Ufa! Cinco ex-ministros da Justiça e uma tropa de especialistas suspiraram aliviados. Afinal, a equiparação era o atalho legal para empurrar o combate ao crime organizado para a Polícia Federal, tirando o doce das polícias estaduais e gerando um delicioso risco diplomático, segundo o Itamaraty, que aponta o desalinhamento com padrões multilaterais da ONU. Pelo visto, o Brasil pode ser rigoroso com bandidos, mas não a ponto de arrumar briga com a Organização das Nações Unidas.
Contudo, para não parecer um recuo vexatório à Oposição, Motta entregou-lhes uma vitória de Pirro: o novo Marco Legal turbinou o aumento das penas para organizações criminosas, elevando-as ao patamar do terrorismo. O nome do jogo é: não é terrorismo, mas a cadeia é a mesma. Um aceno cirúrgico para acalmar a bancada da “bala” sem melindrar a diplomacia.

Eis o toque final de mestre, ou de trollagem, dependendo de quem se pergunta: o relator escolhido. Guilherme Derrite (PP-SP), ex-Secretário de Segurança Pública de Tarcísio de Freitas, foi trazido de volta à Câmara para a missão.
Derrite, que é conhecido pela sua postura de “zero tolerância” e por ser um nome de peso na bancada bolsonarista e da segurança, aceitou o desafio prometendo endurecer o texto, com aumento da progressão de regime para até 85% e restrição de benefícios, como o auxílio-reclusão, em casos qualificados. É, portanto, a personificação do “cala a boca” à direita.
A base governista, liderada pelo petista Lindbergh Farias (RJ), não perdeu tempo e soltou a metralhadora de críticas. É compreensível. Entregar a relatoria de um projeto que, embora tenha nascido no Executivo, ganhou corpo de conciliação e endurecimento penal nas mãos de um oposicionista notório, cheira a movimento político arriscado em pleno ano pré-eleitoral.
O Marco Legal do Combate ao Crime Organizado é, assim, o retrato perfeito da política brasileira: um projeto que nasce de uma impossibilidade regimental, retira a substância ideológica criticada por especialistas, mas, para manter o frisson do rigor penal, o coloca nas mãos de um relator que garante um debate inflamado e um endurecimento prometido.
É o Congresso Nacional em sua forma mais teatral: a lei do “equiparação zero, penalidade máxima”, tudo sob a batuta de Motta.
Ufa!!!





