Piranhas (AL), o vilarejo que virou cartão-postal sem pedir licença ao turismo de massa

Entre cânions recém-nascidos por obra de barragem, casarões que resistiram ao século XIX e um rio que insiste em ditar o ritmo local, a cidade alagoana transforma memória e calor do Sertão em combustível para sua própria reinvenção.

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Piranhas, aquela pequena cidade às margens do São Francisco que muitos juram ser “apenas uma vila histórica”, encontrou um jeito particular de sobreviver ao século XXI: transformou seu passado em roteiro, seu rio em vitrine e seu calor escaldante em motivo para que o visitante pare no primeiro bar e admire a paisagem, de preferência com um peixe fresco no prato. Nada mal para um município com pouco mais de 23 mil moradores que, sem barulho, fincou seu nome no mapa do turismo nacional.

Foto: Erik Araújo

O centro histórico, tombado pelo IPHAN em 2003, mantém a pose de quem viu a navegação fluvial dominar o Nordeste e acompanhou a chegada triunfal da ferrovia em 1881. Hoje, os casarões coloridos seguem firmes enquanto turistas posam nas janelas, acreditando que a foto vai render mais curtidas que o pôr do sol no Velho Chico. A cidade, claro, não se incomoda, afinal, foi exatamente essa combinação de paisagem e nostalgia que a resgatou depois que a Usina de Xingó, inaugurada em 1994, mudou tudo de lugar e afogou parte da antiga área ribeirinha.

O lago criado pela barragem não apenas redesenhou o território como apresentou à região um novo protagonista: o Cânion do Xingó, com paredões de até 170 metros que parecem obra de um artista que exagerou na escala. O passeio de catamarã, apesar da atmosfera de excursão escolar com música ambiente, virou rito obrigatório. Quem tenta fugir acaba voltando, seduzido pelo verde-esmeralda das águas e pela promessa de fotos que dispensam filtros.

Lampião e Maria Bonita

A cidade também cultiva seus próprios símbolos. A rota que rememora Lampião e Maria Bonita continua atraindo curiosos que levam a sério a mitologia do cangaço. O Museu do Sertão, instalado na antiga estação ferroviária, ajuda a separar história de folclore, ainda que muitos visitantes insistam em misturar as duas coisas.

Passeio indispensável

Já a Maria Fumaça, locomotiva da década de 1950, segue firme no papel de máquina do tempo, sacolejando pelo sertão até Entremontes como se nada tivesse mudado em 70 anos.

Surubim na brasa

Quando a fome chega, o São Francisco assume novamente a cena. Surubim, caldeiradas e outras iguarias saem das panelas de restaurantes que se equilibram entre tradição, inovação e uma vista generosa do rio que nunca está com pressa. No porto, o artesanato local vira lembrança e, em alguns casos, desculpa para alongar a caminhada até o início da noite, quando o forró, o xaxado e a embolada convocam moradores e visitantes a dar uma trégua à lógica urbana.

Foto: Erik Araújo

O visitante que chega entre abril e agosto encontra temperaturas mais civilizadas, mérito das chuvas eventuais que aliviam o calor e permitem circular pelo centro histórico sem sentir que o sol decidiu se vingar pessoalmente. Já quem insiste em ir entre dezembro e fevereiro será visto como alguém corajoso ou desinformado, dependendo da boa vontade do guia local, pois os termômetros ultrapassam facilmente os 38 graus.

Noite em Piranhas (AL) – Foto: Erik Araújo

No fim das contas, Piranhas parece ter entendido algo que muitas cidades históricas ainda buscam: não basta preservar fachadas; é preciso preservar a personalidade. E, nesse ponto, a cidade leva vantagem. O humor sertanejo, a memória ribeirinha, o cânion criado por “acidente” e a rotina que insiste em girar ao redor do Velho Chico fazem de Piranhas um destino que não tenta ser perfeito, apenas genuíno, o que no turismo atual já é quase subversão.

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