O centenário da militância: a vida de Clara Charf, de aeromoça comunista a ‘quase’ deputada

Uma jornada épica com votos contados, exílio em Cuba e a arte de não sorrir na clandestinidade

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Aos 100 anos, em São Paulo, na nesta segunda-feira (3), a histórica militante Clara Charf se despediu deste plano, onde viveu o suficiente para ser a prova cabal de que a realidade, muitas vezes, é mais rocambolesca que qualquer enredo de ficção. Viúva de Carlos Marighella, Clara fez de sua vida um tour pelas grandes causas do século XX, com direito a escala no exílio cubano e uma frustração eleitoral que, convenhamos, daria um toque de humor irônico ao currículo mais aguerrido.

Aos 21, ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), uma época em que ser comunista não era apenas um meme de internet, mas um perigo real. Sua juventude foi dedicada à justiça social e, na prática, ao risco. Para completar o setlist da militância, integrou a Ação Libertadora Nacional (ALN), atuando contra a máquina da repressão durante a ditadura militar.

A viuvez, imposta pelo assassinato de Marighella em 1969, a levou para um exílio em Cuba que durou dez anos. A ilha de Fidel, naquela época, era o destino ideal para quem precisava de uma pausa estratégica do autoritarismo tupiniquim.

O retorno ao Brasil, após a Anistia, marcou a troca de trincheiras: Clara Charf foi cofundadora do Partido dos Trabalhadores (PT) e seguiu sua luta na defesa dos direitos humanos e na preservação da memória das vítimas da ditadura. O ativismo deu um passo (quase) burocrático em 1982, quando se candidatou a deputada estadual pelo PT. A contagem foi expressiva para a época: 20 mil votos. Um número que, embora maciço, não foi suficiente para a eleição. Mas, segundo a própria Charf em entrevistas, a derrota foi um alívio. Afinal, quem com tanto fogo revolucionário gostaria de se prender às paredes de uma Assembleia Legislativa?

Mais do que a parceira do “inimigo número 1” da ditadura, Clara Charf manteve um ativismo incansável em diversas frentes, incluindo o notável trabalho na Associação Mulheres pela Paz, onde continuou a levar adiante a ideia de que a paz se alicerça na justiça social.

Com a partida de Clara, perdemos não apenas uma militante centenária, mas uma espécie de cápsula do tempo da luta por um Brasil mais democrático. Um país que ela ajudou a construir, mesmo que, no final das contas, nunca tenha aceitado de bom grado a proibição de sorrir durante a clandestinidade, risco que corria por ter uma gargalhada facilmente reconhecível, um detalhe tão humano e irreverente quanto sua própria história.

 

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