Teatro do Absurdo no Senado: a CPI do Crime Organizado e o sangue novo no asfalto carioca

A instauração de mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito para ‘desvendar’ o óbvio acontece na terça-feira (04), dias após a mais letal operação da história do Rio de Janeiro. A CPI se anuncia como solução legislativa para o que, na prática, é um vexame de segurança pública.

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Em Brasília, o calendário político opera com uma precisão dramática. Poucas horas depois de uma megaoperação policial no Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, deixar um rastro que o governo local cifrou em 121 mortos, o episódio mais sangrento da história fluminense, o Senado Federal apressa-se em dar luz verde à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado. A sincronicidade entre o banho de sangue e a montagem do palco parlamentar é, no mínimo, satírica.

A CPI, impulsionada pelos senadores Efraim Filho (União) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB), e requerida por Alessandro Vieira (MDB), propõe-se a “apurar a estruturação, a expansão e o funcionamento” de facções e milícias. É um objetivo que soa eloquente, mas que recicla a promessa de incontáveis comissões anteriores, cujos relatórios costumam adornar as prateleiras do Congresso sem, de fato, reformular a paisagem da segurança pública brasileira.

A urgência em instalar a CPI é uma cortina de fumaça conveniente. Ela surge como a resposta política instantânea a uma crise que é crônica. Os senadores se posicionam como guardiões da lei, enquanto a realidade das favelas explode em números recordes de letalidade. O contraste é gritante: de um lado, a retórica grandiosa sobre o “aperfeiçoamento da legislação”; do outro, corpos enfileirados e o caos urbano provocado pelo fechamento de vias e a interrupção de serviços básicos, relatados por sites de notícias.

O senador Efraim Filho, ao prestar “solidariedade aos familiares dos policiais mortos, chamando-os de ‘heróis'”, desempenha o papel esperado, mas ignora a complexidade da tragédia onde mais de uma centena de vidas foi perdida em um único dia. O discurso heróico é um bálsamo necessário, mas não é uma política de segurança.

Especialistas em ciência política há anos ironizam a eficácia das CPIs. Muitas vezes vistas como palcos para disputas políticas e para a projeção midiática de seus membros, elas raramente resultam em mudanças legislativas significativas. A verdadeira missão da CPI do Crime Organizado não pode ser apenas “identificar soluções adequadas” ou fazer uma “radiografia” do óbvio. O crime organizado não é um mistério: ele é o resultado da falência do Estado nas esferas social, educacional, econômica e de segurança.

A comissão terá 120 dias e um orçamento modesto para “descobrir” o que a polícia, o Ministério Público e o serviço de inteligência já mapearam exaustivamente: como o narcotráfico e as milícias operam. No fim, o grande desafio da CPI não será apurar o crime, mas evitar que ela própria se transforme em mais um “teatro do absurdo” que distrai o público do custo humano real e da ineficácia estrutural no combate à criminalidade. O Brasil precisa de menos comissões de inquérito e mais estratégias que não dependam de chacinas para justificar sua existência.

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