O grito silenciado: o maior cemitério de escravizados da América Latina emerge em Salvador

​Descoberta impactante na Pupileira, estacionamento da Santa Casa, revela um sítio arqueológico com mais de 100 mil corpos e impõe um debate urgente sobre memória e uso do solo.

Compartilhe o Post

​Um capítulo sombrio e, por séculos, invisibilizado da história do Brasil escravocrata veio à tona em Salvador. Pesquisas recentes indicam que o antigo Cemitério do Campo da Pólvora, localizado sob o estacionamento do Complexo da Pupileira, de propriedade da Santa Casa de Misericórdia, pode abrigar os restos mortais de mais de 100 mil pessoas escravizadas e marginalizadas. O volume de sepultamentos sugere que o local configura-se como o maior cemitério de escravizados de toda a América Latina.

Silvana Olivieri - Arquiteta e Urbanista

​A magnitude da descoberta é resultado da tese de doutorado da arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, desenvolvida na Universidade Federal da Bahia (UFBA). O estudo, que utilizou cruzamento de fontes documentais, iconográficas e dados históricos, conseguiu localizar com precisão o terreno, que funcionou como necrópole por cerca de 150 anos e foi desativado em 1844. As escavações arqueológicas na área foram iniciadas em maio deste ano, após a autorização da Santa Casa.

Objetos encontrados nas escavações

​O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) confirmou a relevância do achado em reunião no dia 21 de outubro, destacando a necessidade urgente de preservação. O espaço, que segue sendo usado para estacionamento, é objeto de uma recomendação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por meio de seus representantes no MP-BA, para que a Santa Casa suspenda imediatamente o uso, visando a proteção do sítio.

Antigo cemitério da Pupileira, em Salvador (BA)

​O Cemitério do Campo da Pólvora representa um vestígio fundamental para a compreensão da história, não apenas pela cifra assombrosa de sepultamentos, mas também por incluir a possibilidade de abrigar mártires de revoltas cruciais como a dos Malês e a dos Búzios.

A redescoberta do local, além de resgatar a memória de milhares de vidas silenciadas, lança um desafio à sociedade e às instituições: como transformar um espaço de tamanha dor histórica, hoje banalizado como estacionamento, em um memorial de reparação e um polo de aprendizado.

A pesquisa de Silvana Olivieri e o acompanhamento do MP-BA e Iphan sinalizam um passo essencial no processo de dar dignidade póstuma a esses antepassados e confrontar o legado escravocrata do país.

Compartilhe o Post

Mais do Nordeste On.