Dezembro impõe uma máscara social: a do sorriso inegociável e da felicidade plena. Contudo, para quem convive com a dependência, este cenário festivo se revela um campo minado emocional, um território onde a vulnerabilidade é camuflada pela solidão performática. A exigência de “estar bem” e a onipresença do consumo transformam o período em uma travessia delicada entre a busca por autenticidade e o impulso da fuga.
O filósofo Søren Kierkegaard alertava que “a porta da felicidade abre para fora”, uma máxima que ecoa na ânsia contemporânea de tentar forçar a fechadura da alegria “por dentro”, buscando uma anestesia momentânea, e não a presença real. Essa dinâmica é um gatilho poderoso. O mês se torna um palco para a saudade disfarçada de nostalgia, a comparação incessante com “vidas idealizadas” nas redes sociais e a pressão de não decepcionar aqueles que “só querem que você se divirta”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH) são categóricos: durante as celebrações de fim de ano, o consumo de álcool e, consequentemente, o risco de recaída, acidentes e violência aumentam de forma significativa. Estudos apontam que a participação em festas e a influência negativa de grupos sociais são fatores determinantes que impulsionam a volta ao uso abusivo.
Para quem está em recuperação, a promessa de “festa” e “tim-tim” esconde armadilhas emocionais complexas. O álcool, frequentemente utilizado como mecanismo de alívio do estresse e da anedonia (dificuldade de sentir prazer em atividades cotidianas), tem sua probabilidade de uso intensificada em ambientes de celebração. O perigo é ainda mais alarmante para as mulheres, para as quais a OMS associa a combinação de álcool e festividades a um risco elevado de violência física e sexual.
No centro desta luta silenciosa está a necessidade de criar um espaço de consciência. Viktor Frankl, sobrevivente do Holocausto e fundador da Logoterapia, afirmava que “entre o estímulo e a resposta existe um espaço”. Na jornada da sobriedade e no manejo da dependência, este espaço é vital; é ali que a autoconsciência e a capacidade de fazer escolhas respiram.
A boa notícia é que, assim como um rio, toda jornada tem margens seguras. A prevenção da recaída não é apenas evitar o consumo, mas desenvolver habilidades de enfrentamento, aumentar a autoeficácia e identificar as situações de alto risco. Reconhecer a solidão, o medo da decepção e a pressão social como gatilhos reais é o primeiro passo para construir um caminho de recuperação duradouro, transformando o turbulento dezembro em uma oportunidade de reafirmar o compromisso com a vida autêntica, em vez de ceder à exigência de uma performance vazia.





