Louvre e Picasso: uma crônica de arte, crime e confusão na galeria da história

No palco do Louvre, entre joias e museus roubados, Picasso quase trocou as tintas pela cela, num enredo que mistura poesia, pequenos ladrões e suspeitas dignas de um romance de capa e espada.

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Em meio à trama surreal que envolveu o Museu do Louvre e a famosa Dama de Elche, a história de Pablo Picasso se mistura com o imponderável e revela como o destino pode se entrelaçar com o escândalo, com o crime e com o inusitado. O pintor espanhol, sempre envolto em mistério e fascínio, acabaria mais uma vez, sem querer, no centro de uma narrativa que desafiaria os limites do imaginável.

A Dama de Elche, um busto de pedra policromada descoberto por acaso em 1897 em L’Alcúdia, acreditado ser uma peça de escultura ibérica do século IV a.C.

A história começa com o inesperado desaparecimento da Dama de Elche, uma obra-prima da escultura ibérica do século IV a.C., que havia sido adquirida pelo Louvre em 1897. Sua chegada à França já gerara polêmica, pois muitos espanhóis se opunham à ideia de que um patrimônio tão importante fosse tirado de seu solo natal. A tensão entre os dois países, já marcada pela disputa por objetos de valor histórico, só aumentou quando, em 1906, a obra desapareceu misteriosamente.

Embora o desaparecimento tenha sido atribuído inicialmente a um roubo de grande escala, logo foi revelado que a história não era tão simples. Em vez de um crime orquestrado por ladrões profissionais, o responsável era Honoré Joseph Géry Pieret, um secretário belga do poeta Apollinaire, que simplesmente havia levado a escultura sem muito cuidado. Ele, com a ajuda de Picasso, negociou a venda da Dama por 50 francos, uma quantia irrisória, especialmente considerando o valor da peça. Como se o roubo não fosse bizarro o suficiente, o verdadeiro mistério estava na forma como Picasso, envolvido nesse esquema peculiar, acabou sendo pintado como cúmplice do crime, algo que ele jamais imaginaria.

Ficha criminal de Vincenzo Peruggia

O destino de Picasso, um pintor em ascensão, se tornaria ainda mais curioso quando Vincenzo Peruggia, um trabalhador italiano, roubou a Mona Lisa do Louvre em 1911. Peruggia, que acreditava que a obra de Leonardo da Vinci deveria ser devolvida à Itália, chamou a atenção do mundo inteiro com seu audacioso ato. Mas foi o oportunismo de Pieret que fez o nome de Picasso circular de forma ainda mais intensa nas investigações.

Ao ser questionado pelos jornais sobre sua conexão com o roubo da Mona Lisa, Pieret, provavelmente tentando chamar atenção para si mesmo, disse que não só sabia de detalhes sobre o roubo, mas que ele próprio teria sido parte de um esquema criminoso ainda mais elaborado, que envolvia Picasso. O pintor, então um ícone emergente da arte moderna, foi injustamente ligado à figura do ladrão belga, que parecia ter uma fantasia própria de se tornar protagonista da história.

O poeta Guillaume Apollinaire e Picasso

À medida que a investigação do roubo da Dama de Elche avançava, o nome de Picasso foi levantado pela polícia. Ele se tornou uma figura central, envolvida mais pelo enredo absurdo em torno de sua relação com Pieret do que por qualquer evidência concreta de seu envolvimento. Contudo, a pressão sobre Picasso foi tão intensa que até mesmo o famoso poeta Guillaume Apollinaire foi questionado, já que ele era amigo íntimo de Picasso e estava, de alguma forma, ligado ao clima de mistério que pairava sobre os corredores do Louvre.

A notícia do roubo

A história acabou se desenrolando de maneira absurda, com a polícia finalmente constatando que Picasso não tinha nenhuma ligação direta com o roubo da Dama de Elche ou da Mona Lisa. Pieret, o verdadeiro responsável, era um homem de pouca reputação, cujo envolvimento com Picasso parecia mais uma tentativa de se gloriar com o nome do artista. No entanto, o episódio fez com que Picasso fosse, por um tempo, suspeito de ser mais do que um “simples” pintor.

Ainda assim, o episódio não manchou a carreira de Picasso, mas o imortalizou como uma figura intrigante, não apenas pelas suas obras revolucionárias, mas também por ser involuntariamente o epicentro de uma narrativa que misturava arte, crime e absurdo histórico. Na retrospectiva, o artista mais associado ao cubismo passou a ser visto, de certa forma, como alguém que sempre esteve no centro das grandes histórias, sejam elas de talento ou de escândalos.

E assim, entre pincéis e polêmicas, Picasso continuou sua trajetória, com sua arte transformando a história, mas também com suas peculiaridades pessoais ajudando a criar uma narrativa curiosa que até hoje faz parte do imaginário coletivo. Ele se tornaria, mais tarde, um dos maiores ícones da arte do século XX, mas por um tempo, ele também foi o involuntário protagonista de uma história em que arte, crime e a fama se cruzaram de forma impossível de ser premeditada.

Esse episódio lembrou ao mundo que o Louvre, além de ser o guardião de grandes obras, também é o palco de enredos que parecem mais apropriados para uma narrativa de ficção do que para o curso da história real. Mas, assim como as obras ali guardadas, a história de Picasso e seu envolvimento com os enigmas artísticos, jamais deixará de ser um dos mistérios mais intrigantes dessa instituição.

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