O Superior Tribunal de Justiça (STJ) chancelou a validade de uma doação em espécie no valor de R$ 101 mil feita por uma fiel à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), mesmo sem a formalização por instrumento particular. Por maioria, a 3ª Turma da corte reformou as decisões anteriores que exigiam a devolução do montante, em um julgamento que colocou em xeque a aplicação estrita do Código Civil (CC) a repasses motivados por convicção religiosa.
O entendimento que prevaleceu, liderado pelo voto divergente do ministro Moura Ribeiro e acompanhado pelas ministras Nancy Andrighi e Daniela Teixeira, além do ministro Humberto Martins, foi o de que nem toda transferência de patrimônio para uma instituição de fé se enquadra na definição jurídica de doação civil típica (Art. 538 do CC). Para a maioria, a chamada “liberalidade religiosa”, que engloba dízimos, ofertas e donativos por dever de consciência, possui uma natureza jurídica distinta do animus donandi (intenção de doar) puramente civil.
O litígio teve origem após uma fiel, que já havia feito doações substanciais (incluindo R$ 182 mil em dízimos, R$ 200 mil em doações e um automóvel) à IURD, decidir pleitear a nulidade apenas da última contribuição em dinheiro, de R$ 101 mil, realizada após sua separação. Ela argumentou que o alto valor da doação exigiria a forma escrita, conforme o Art. 541 do CC, que prevê a forma solene para doações, admitindo a forma verbal apenas para bens de pequeno valor.
A 1ª Vara Cível de Samambaia/DF e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ/DF) haviam acolhido o pedido, determinando a restituição. O TJ/DF enfatizou, à época, que o princípio da liberdade religiosa não anula a obrigatoriedade das normas do Direito Civil.
No STJ, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, defendeu a manutenção da nulidade. Cueva classificou a doação como um negócio jurídico solene e formal, ressaltando que flexibilizar a exigência da forma escrita para valores expressivos criaria uma grave insegurança jurídica. Para o relator vencido, nem mesmo um cheque poderia substituir o instrumento particular ou escritura exigidos pela lei para doações de grande porte.
A virada no julgamento veio com a extensa análise doutrinária apresentada pelo ministro Moura Ribeiro. O voto divergente argumentou que a origem e a motivação do repasse – um dever de consciência religiosa – distinguem a ação da doação estritamente contratual. Além disso, Ribeiro considerou que o cheque utilizado pela fiel na transação seria um instrumento hábil para formalizar a liberalidade, citando precedentes e doutrina que aceitam o título como prova de formalização em diversos contextos, incluindo o eleitoral.
A decisão da 3ª Turma, portanto, não apenas validou o ato por entender que não houve vício de vontade ou má-fé por parte da fiel, mas também estabeleceu um importante precedente sobre a forma como o Direito Civil deve interpretar e aplicar suas exigências formais a atos patrimoniais realizados sob a égide da fé e da liberdade de crença. O desfecho finaliza a ação, julgando improcedente o pedido de restituição e mantendo os R$ 101 mil nos cofres da instituição religiosa.





