No Brasil, é notório o longo e tortuoso caminho para transformar boas intenções em regras com força de lei. Eis que, com a sanção da Lei 15.240/25 pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) recebe uma atualização no que tange à parentalidade: a assistência afetiva. A partir desta terça-feira, 28, o coração ganha um artigo, e o desleixo emocional vira oficialmente um ilícito civil, passível de reparação por danos.
É a fria letra da lei tentando aquecer o que a negligência humana congelou. Pais e mães que historicamente se limitavam a depositar pensão e cumprir a visita protocolar de final de semana, o mínimo existencial para a prole, agora têm um dever legal expandido. Sustento, guarda e educação continuam na lista, mas o novo pacote inclui a obrigatoriedade de zelar pela assistência afetiva.
O texto legal, sempre pragmático, detalha o que o amor não conseguiu ensinar: a assistência afetiva deve se materializar em convivência ou visitação periódica, assegurando o acompanhamento da formação psicológica, moral e social. É o fim da “parentalidade robótica”, onde o envio de dinheiro bastava.
A parte mais… poética? (Ou seria burocrática?) do novo $2º do artigo 4º do ECA é o desdobramento do afeto em três dimensões concretas, quase um checklist para o pai (ou a mãe) ausente se redimir no tribunal:
• Consultoria de Vida: A “orientação nas principais escolhas” – adeus, desculpa de “deixar o jovem se virar”.
• Serviço de Apoio: A “solidariedade e apoio em momentos de sofrimento” – já imaginou um juiz analisando a frequência de mensagens de consolo?
• Presença Sob Demanda: A “presença física quando solicitada”, sempre que possível, o afeto agora tem hora marcada e, de certa forma, pode ser cobrado.
O legislador, em um movimento surpreendente, transforma o intangível sofrimento do abandono em algo mensurável e indenizável, incluindo-o no artigo 5º do ECA como conduta ilícita que viola direitos fundamentais. A partir de agora, o famoso “dano moral” ganha um peso emocional e jurídico inédito.
Resta saber se a justiça dos tribunais terá o aparato (e a sensibilidade) para avaliar a qualidade de um abraço, a sinceridade de um conselho ou a dor de uma ausência. O Brasil avança na formalização do afeto. A ironia, no entanto, permanece: transformar o amor em dever para que o trauma não se torne dívida. É a legalização da responsabilidade que o bom senso e o instinto paterno/materno deveriam ter garantido. A parentalidade finalmente entra na era da prestação de contas integral.





