A escalada de tensões entre os chefes dos Poderes da República tem exposto a fragilidade e a reconfiguração da arquitetura institucional brasileira. O que começou como atritos pontuais, movidos muitas vezes por disputas político-partidárias, metamorfoseou-se em uma crônica disputa de autoridade que paralisa e desgasta o sistema democrático.
Diferente de momentos anteriores da Nova República, onde as crises eram geralmente focadas no Executivo ou no Legislativo, o cenário atual é marcado pela ativa e, por vezes, beligerante, participação do Judiciário, em particular do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse ativismo judicial, motivado pela inação ou lentidão do Congresso em temas sensíveis, como demarcação de terras indígenas e questões ambientais, tem gerado fricções diretas com o Executivo e o Legislativo.
O cerne da desarmonia reside na confusão de papéis e na concorrência pela palavra final em matérias de alta relevância política. O Executivo, liderado pelo Presidente, busca preservar sua prerrogativa de conduzir o governo e definir a agenda nacional, esbarrando frequentemente em decisões judiciais ou em vetos legislativos.
No Congresso, a pressão das bancadas tem levado a uma atuação incisiva, com a aprovação de matérias que, por vezes, redefinem o equilíbrio orçamentário e a distribuição de recursos, como é o caso de pautas econômicas e ambientais. A judicialização de atos do Legislativo, como a prisão de parlamentares ou a anulação de emendas, intensifica o clima de conflito e retaliação.
O Judiciário, por sua vez, age como um poder moderador em um sistema hiper-judicializado. No entanto, o uso constante de instrumentos como a decisão monocrática e a abertura de inquéritos por iniciativa própria tem levantado questionamentos sobre os limites constitucionais da Corte. O risco é o deslocamento da arena política do debate público e parlamentar para os gabinetes judiciais, com consequências diretas para a governabilidade.
A resposta do sistema a essa desarmonia tem sido a retaliação. O Congresso tem sinalizado a intenção de aprovar projetos que limitam os poderes do STF, desde a alteração das regras para pedidos de vista até a fixação de mandatos para ministros do tribunal superior. São movimentos que, embora legítimos no debate legislativo, carregam a marca da reação imediata a decisões desfavoráveis.
Enquanto a cúpula dos Poderes se engalfinha, a agenda urgente do país, focada na estabilidade fiscal, na reforma administrativa e na melhoria dos serviços públicos, é empurrada para segundo plano. A erosão da confiança entre as instituições dificulta a construção de consensos mínimos, essenciais para a aprovação de reformas estruturantes e para a atração de investimentos.
O desarranjo institucional não é apenas um espetáculo midiático; é um sintoma da necessidade de um urgente pacto federativo e republicano. Sem um esforço coordenado para reequilibrar a balança de freios e contrapesos e restaurar a clareza nas competências de cada Poder, a crise de autoridade continuará a minar a estabilidade do Estado de Direito.





