A tragédia do teto: a lógica impecável do ‘excedente’ em nome da Boa-Fé

​Quando a conta pública extrapola o limite dos Ministros do Supremo, o Brasil descobre que a Constituição, afinal, é apenas um "sugerido".

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O xadrez da alta burocracia brasileira testemunha mais uma jogada insólita, digna de uma peça de Molière reescrita por um jurista em crise existencial. O Ministério Público Federal (MPF) acaba de depositar sobre a mesa do Supremo Tribunal Federal (STF) um apelo desesperado para que a matemática mais básica, aquela que garante a integridade dos cofres públicos, prevaleça sobre a boa vontade jurídica.

Em foco, o caso do ex-senador Cássio Cunha Lima, que, durante seu mandato parlamentar, descobriu que o dinheiro público é infinitamente mais elástico do que o limite imposto pela Carta Magna. O político da Paraíba acumulou, sem pudor, o subsídio de senador com uma pensão especialíssima de ex-governador. O resultado? Uma soma que dançou alegremente acima do teto constitucional, aquele valor máximo, simbólico e sacrossanto, equivalente ao salário de um Ministro do STF.

Entre novembro de 2014 e o apagar das luzes de 2018, o ex-parlamentar, supostamente, superou o balcão remuneratório. A Justiça Federal de primeira instância, com sua frieza cartesiana, mandou o político de volta à realidade: devolva o excesso. Afinal, a lei é clara: ninguém, nem mesmo um agente público eleito, deve ultrapassar o padrão máximo estabelecido.

Ao recorrer, Cunha Lima conseguiu uma reviravolta notável na Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5). O que foi aceito pelos desembargadores? A tese da boa-fé. Sim, o argumento de que um homem público, com acesso irrestrito a pareceres jurídicos e sabedor da regra básica da administração, excedeu o limite salarial mais importante do país por “engano” ou, pior, por ingenuidade crível.

É neste ponto que a história se torna uma sátira: a regra que impede a violação do teto existe justamente para proteger o erário. O MPF, agora, sobe ao Supremo (na pessoa do procurador Duciran Van Marsen Farena), pedindo a Fachin que restaure a ordem. O órgão argumenta que manter o entendimento do TRF5 é uma bofetada na Constituição: a regra do teto não pode ser suspensa por uma “confiança” no acúmulo de proventos.

O desfecho desta saga é vital. Se a “boa-fé” for suficiente para justificar o supersalário e eximir a devolução de verbas que superaram o padrão de subsídio dos próprios magistrados do STF, teremos de repensar a utilidade do teto constitucional. Talvez ele devesse ser renomeado: de “Teto Remuneratório” para “Sugestão de Limite Máximo em Caso de Má-Fé Comprovada”. O erário, nesse meio tempo, espera pacientemente pela devolução daquele R$ 1,1 milhão. Afinal, para o bolso público, a fé não paga as contas.

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