Brasília, a capital do concreto, é, ironicamente, o palco de uma das mais românticas fugas da vida engessada: o caravanismo. Às margens do Lago Paranoá, onde tudo foi planejado para ser fixo e inamovível, dezenas de motorhomes se encontram para celebrar a vida na estrada, um estilo que, de fato, se tornou a nova panaceia para a crise existencial urbana.

O que a pandemia começou por necessidade de isolamento, consolidou-se como um negócio bilionário. Desde 2018, a busca pela “casa sobre rodas” saltou mais de 30% no país. Longe de ser um movimento hippie de Kombis adaptadas (embora elas ainda existam, gloriosas), o motorhome atual é um investimento de peso. O sonho de liberdade pode custar de R$ 300 mil a mais de R$ 1,2 milhão, provando que a utopia itinerante é, na maioria das vezes, reservada àqueles que já se livraram de outras hipotecas.

A narrativa é sedutora: casais como Alarico e Simone ou Cesar e Maria trocam as quatro paredes estáticas pelo horizonte. Vendem tudo, abraçam a estrada e “colheita novas amizades”, como mostram os cliques de confraternização. No entanto, o que os motoristas mais experientes não contam nos posts ensolarados é que a liberdade é, na verdade, uma escravidão logística disfarçada.

A vida em um espaço diminuto exige uma organização militar para evitar o caos. Trocar o IPTU pelo custo de camping ou pernoite não elimina o boleto; apenas o transfere. A manutenção, essa vilã silenciosa, é um pesadelo constante: é preciso cuidar do motor, da parte elétrica, da hidráulica e dos pequenos reparos domésticos, tudo em um veículo que treme e se desgasta em estradas nem sempre amigáveis. Quem foge do vizinho barulhento da cidade descobre que a falta de rotina cansa e que a busca por uma ducha com pressão decente e água quente vira uma saga diária.


O estilo de vida, que deveria ser a personificação da autonomia, depende de uma intrincada rede de apoio. As comunidades online, como a citada pelo viajante Marcelo, tornam-se essenciais, funcionando como o que há de mais moderno em sindicato de nômades. É lá que se encontram dicas sobre descarte de resíduos, pontos de abastecimento e, principalmente, lugares seguros para estacionar o móvel suntuoso durante a noite.
No final, o movimento full-timing brasileiro é a prova de que o ser humano, por mais que deseje a estrada, nunca abre mão do conforto. Trocamos o teto de cimento pela fibra de vidro, mantendo a cozinha gourmet compacta e o Wi-Fi. É a mais criativa, e cara, maneira de descobrir que, não importa onde você estacione, a vida ainda é feita de contas a pagar, organização e, invariavelmente, um bom café com os amigos.





