No Uzbequistão, em meio a discussões geopolíticas e acordos de livre-comércio, uma batalha inesperada é travada: a sobrevivência dos tubarões-agulha, criaturas das profundezas oceânicas, cujo futuro está suspenso pelo desejo humano de pele macia. Estes “fósseis vivos”, com seus olhos esverdeados e silhuetas elegantes, habitam águas que variam de 200 a 1.500 metros de profundidade, e são alvos de uma pescaria predatória. O motivo? Seu fígado, uma fonte riquíssima de esqualeno.

Este composto químico, uma vedete em cosméticos por seus predicados antioxidantes e hidratantes, tem o potencial de ser o item de vaidade mais destrutivo do planeta. A biologia única dos tubarões-agulha, que se reproduzem lentamente, mais como mamíferos do que como a maioria dos peixes, os torna extremamente vulneráveis. Estima-se que para cada tonelada de esqualeno extraída, cerca de 3.000 tubarões morram. Em algumas regiões, a população desses animais já sofreu uma retração superior a 80% nas últimas décadas. Cientistas preveem que algumas espécies, como o tubarão-bravo-sonolento, levariam quase um século para reverter apenas uma pequena parte de seus declínios populacionais.

O óleo do fígado de tubarão não se restringe apenas a cremes faciais; sua versatilidade o coloca em uma gama bizarra de produtos, que vai de protetores solares a adesivos de nicotina, conforme alertado pelo Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal (IFAW). O mercado global de esqualeno movimenta anualmente US$ 150 milhões, com a indústria de beleza sendo sua maior cliente. Paradoxalmente, a maior parte do esqualeno usado hoje (cerca de 80%) já é derivado de plantas, notadamente da oliveira, aquela do azeite e, mais recentemente, de fontes bioengenheiradas como a cana-de-açúcar.

A alternativa vegetal existe e é considerada superior, mas a falta de transparência nos rótulos e a demanda por fontes de baixo custo mantêm a exploração das profundezas.
Na 20ª Conferência das Partes da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção), em Samarcanda, cientistas e conservacionistas colocam suas fichas na burocracia internacional. A inclusão de todos os tubarões-agulha no Apêndice II da CITES, que regula o comércio transfronteiriço, visa impor uma fiscalização mais rigorosa, forçando os países a provar a sustentabilidade de sua pesca.

Até o momento, a CITES, que já lista mais de 145 tubarões e raias, nunca regulamentou o comércio de qualquer espécie de águas profundas. Com o avanço tecnológico e a exaustão dos estoques de peixes costeiros, a pressão sobre o ecossistema abissal é inédita. A proposta atual surge como um último grito de socorro, antes que as populações atinjam o estágio de Apêndice I, que proíbe totalmente o comércio. Para os defensores da vida marinha, a CITES não é apenas um acordo; é um mecanismo com poder de coerção, capaz de impor sanções comerciais e, assim, forçar a reorganização de pescarias insustentáveis.





