A Anatomia da Fraude na Bahia: quando o jaleco encobre um rombo de R$ 12 milhões

​Operação USG desmantela rede de ex-gestores e médicos que transformou a saúde de Formosa do Rio Preto em balcão de negócios; esquema fabricava plantões e exames fantasmas.

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​O juramento de Hipócrates foi substituído pela engenharia do desvio em Formosa do Rio Preto, no oeste baiano. Uma cidade de 26 mil habitantes tornou-se o epicentro de uma sangria de R$ 12 milhões nos cofres públicos, estancada nesta terça-feira (18) pela Polícia Civil da Bahia através da Operação USG. O que se revelou não foi apenas corrupção burocrática, mas um esquema cínico onde pacientes fictícios realizavam exames que nunca existiram.

​A operação, cujo nome alude aos exames de ultrassonografia, o carro-chefe das fraudes, expôs a capilaridade do crime de colarinho branco que ultrapassou as fronteiras estaduais. Enquanto o dinheiro saía da prefeitura baiana, os beneficiários lavavam os recursos no Piauí.

​O Modus Operandi: A Indústria do “Paciente Fantasma”

​A investigação, conduzida pelo Departamento de Repressão e Combate à Corrupção (Draco-LD) e pela Deccor, desenhou o mapa de uma fraude baseada no excesso e na invenção. O grupo criminoso, composto por uma simbiose entre o poder político e a classe médica, operava sob a proteção de contratos superfaturados.

​Auditorias revelaram a “criatividade” contábil do grupo:

​Exames Incompatíveis: O sistema registrava procedimentos que desafiavam a lógica demográfica e clínica do município.

​Plantões de Papel: Médicos recebiam por horas de trabalho em unidades de saúde onde nunca pisaram.

​Notas Fiscais de Vento: Clínicas emitiam cobranças milionárias para mascarar atendimentos que jamais ocorreram.

​A Conexão Piauí

​A operação ilustra como o crime ignora divisas geográficas. No sul do Piauí, a polícia cumpriu mandados que desmontaram o núcleo operacional e financeiro do esquema fora da Bahia.

​Em Corrente (PI), a ação atingiu profissionais que deveriam zelar pela saúde pública. Um cirurgião-dentista foi detido, enquanto uma médica teve seus passos restritos pelo monitoramento via tornozeleira eletrônica. Ambos aguardam audiência de custódia, vendo seus consultórios serem substituídos por celas e tribunais. Computadores e celulares foram apreendidos, prometendo revelar, na perícia digital, a profundidade do poço.

​Já em Bom Jesus (PI), a rede de proteção caiu para mais um médico e uma secretária, ambos presos sob a acusação de integrarem a engrenagem de desvio.

​Política e Medicina no Banco dos Réus

​Ao todo, nove mandados de prisão foram cumpridos nos dois estados. A lista de detidos lê-se como um “quem é quem” da elite local: um vereador com mandato ativo, dois ex-secretários municipais de Saúde que controlavam a caneta dos contratos, além de empresários que forneciam a estrutura jurídica para o escoamento da verba.

​A tese policial é sólida: não se tratava de oportunismo isolado, mas de uma organização criminosa estruturada, onde ex-gestores garantiam a demanda fraudulenta e os médicos e empresários forneciam a oferta fantasma.

​Enquanto a população de Formosa do Rio Preto enfrentava as filas reais do SUS, o sistema digital da prefeitura processava uma realidade paralela de eficiência e gastos exorbitantes, drenando recursos vitais para contas bancárias privadas. A Operação USG encerra o ciclo da impunidade, mas abre agora a fase de dissecação jurídica de um dos maiores ataques recentes à saúde pública do interior baiano.

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