A arte de fofocar: como a evolução nos transformou em xeretas profissionais

​Do Império Romano ao grupo de WhatsApp da firma, o ato de falar da vida alheia não é apenas vício, é uma ferramenta de sobrevivência antropológica.

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​Se você acha que a fofoca começou com os perfis de celebridades no Instagram ou com aquela vizinha que mora na janela, sinto informar que seu repertório histórico está defasado em alguns milênios. Suetônio, o “Léo Dias” da Roma Antiga, já narrava em 69 d.C. que o imperador Nero havia despachado uma tia com uma dose letal de laxantes. O público da época? Adorava. Mudaram-se as túnicas pelos smartphones, mas o apetite pelo escândalo continua o mesmo: insaciável.

​A ciência, essa estraga-prazeres de conceitos morais rígidos, aponta que 65% das nossas conversas giram em torno de quem não está presente. E antes que você aponte o dedo para o gênero oposto, saiba que a fofoca é a atividade mais democrática da humanidade: todos participam, independentemente do que dizem os estereótipos de gênero. Evoluímos para valorizar um bom fuxico quase tanto quanto valorizamos açúcar e sexo. O motivo? Sobrevivência.

Imagine nossos ancestrais na savana. Saber quem era o aliado confiável ou quem costumava “dar o migué” na hora de enfrentar um tigre dentes-de-sabre era a diferença entre a vida e a morte. A fofoca surgiu como um mecanismo de controle social, um monitoramento invisível que incentivava o grupo a agir com altruísmo, afinal, ninguém queria ser o assunto principal da “rádio-peão” das cavernas.

​Hoje, essa herança genética se manifesta no prazer quase orgástico de soltar um “você ficou sabendo?”. A ocitocina, o hormônio do afeto, sobe mais em uma sessão de fofoca do que em conversas neutras. Fofocar sobre a separação de uma estrela de Hollywood ou sobre o deslize ético do chefe não é apenas futilidade; é um “mapeamento cognitivo” que nos ajuda a navegar na complexa teia das relações humanas sem precisar levar o tombo pessoalmente. Aprendemos com os erros alheios para não sermos o próximo alvo do escárnio público.

​Contudo, como toda ferramenta poderosa, a fofoca exige um manual de instruções para não degenerar em boato, esse vírus que destrói reputações sem fundamento. Existe uma linha tênue, porém nítida, entre a fofoca ética (aquela que protege o grupo e compartilha informações úteis) e a maledicência gratuita. A diferença reside no julgamento e na discrição: se a informação serve para elevar sua própria moral às custas do outro, você não é um observador social, é apenas um “boca de sacola” tóxico.

​Em um mundo onde cidades já tentaram, sem sucesso, multar quem fofoca, como Binalonan, nas Filipinas, fica o aprendizado: banir o fuxico é tão realista quanto proibir o oxigênio. Somos contadores de histórias por natureza. Se falar da vida alheia nos torna mais humanos, que pelo menos façamos isso com a elegância de um cronista e a responsabilidade de quem sabe que, amanhã, o prato principal do banquete de línguas afiadas pode ser, justamente, você.

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