Um dos projetos de conservação mais celebrados do Brasil enfrenta um revés devastador: a confirmação de que todas as 11 ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) reintroduzidas em seu habitat natural na Caatinga, Bahia, estão infectadas com o Circovírus dos Psitacídeos, uma doença incurável e frequentemente fatal para estas aves. A descoberta, que levou à imediata recaptura dos animais, reacende o debate sobre a fragilidade dos programas de repatriação e as condições de manejo em cativeiro.

A ararinha-azul, considerada extinta na natureza desde 2000, teve sua reintrodução iniciada em 2020, como resultado de um esforço internacional monumental. As aves foram trazidas da Europa, notadamente da ONG alemã ACTP (Association for the Conservation of Threatend Parrots), que detinha a maior parte da população mundial em cativeiro.
O perigo iminente foi identificado por meio de exames laboratoriais, que diagnosticaram o circovírus nas aves, agente causador da “doença do bico e das penas”. A enfermidade atinge o sistema imunológico dos psitacídeos, manifestando-se em falhas no empenamento, alterações na coloração das penas e deformidades no bico. Por ser um vírus que não possui tratamento conhecido, a contaminação anula o retorno à vida livre e coloca em risco a saúde de outros psitacídeos na Caatinga, como a arara-azul-de-lear e o periquito-da-caatinga.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) prontamente aplicou uma multa de R$ 1,8 milhão ao criadouro responsável, operado pela empresa Blue Sky, localizado em Curaçá, Bahia, citando falhas graves nos protocolos de biossegurança. Entre as irregularidades apontadas pelo órgão, destacam-se a ausência de limpeza e desinfecção diária de instalações e utensílios, acúmulo de fezes ressecadas em comedouros e a falta de uso de equipamentos de proteção individual por parte dos funcionários durante o manejo.
”A prioridade agora é o isolamento dos animais positivos e o reforço imediato de todas as medidas de biossegurança para impedir a disseminação para o plantel de cativeiro e, sobretudo, para outras espécies da fauna silvestre,” afirma a coordenadora de Emergências Climáticas e Epizootias do ICMBio.
A controvérsia sanitária intensifica uma tensão já existente entre o governo brasileiro e a ACTP, parceira histórica no programa. O ICMBio já havia manifestado preocupação com a transparência nas transações comerciais de ararinhas-azuis realizadas pela ONG e decidiu não renovar o acordo de cooperação técnica, citando o fator comercial como motivador.
Apesar da detecção do vírus, o ICMBio assegura que o projeto de reintrodução não será interrompido, mantendo como objetivo principal a restauração de uma população viável da ararinha-azul em seu ecossistema original. No entanto, a infecção das aves recém-reintegradas, somada às falhas de manejo, representa um golpe significativo na credibilidade e na logística do programa, questionando a capacidade de proteção e cuidado com espécies de valor inestimável para a biodiversidade global.





