O fantasma do inventário: como um erro “amador” bilionário expôs a fragilidade da expansão no varejo nordestino

​Gigante regional perde R$ 1,9 bilhão em valor de mercado após ajuste nos estoques, levantando suspeitas sobre a governança e o custo do crescimento acelerado.

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O mercado financeiro reagiu com um forte solavanco à notícia de que a maior rede de varejo do Nordeste calculou mal o custo de suas mercadorias (CMV). O resultado da correção contábil não foi apenas técnico: em um único pregão, a companhia viu seu valor de mercado encolher em R$ 1,9 bilhão, um sinal evidente da perda abrupta de confiança dos investidores.

O problema central reside na superestimação do valor do estoque. O montante declarado de R$ 6 bilhões, crucial para a saúde financeira, teve de ser drasticamente ajustado para R$ 4,9 bilhões. Essa diferença de R$ 1,1 bilhão não apenas impacta o balanço, mas também forçou uma redução de R$ 695 milhões no patrimônio líquido da empresa. Para analistas do setor, a magnitude e a natureza do erro, muitas vezes referida como uma falha “amadora”, colocam em xeque a maturidade dos processos internos da varejista.

A crise lança luz sobre um dilema comum em empresas de alto crescimento: a expansão vertiginosa de lojas e unidades de negócio não foi acompanhada por um rigoroso aprimoramento dos sistemas de controle. Aberturas de novas filiais e a rápida penetração em novos mercados, marcas do sucesso da rede, acabaram criando vulnerabilidades.

Essa discrepância é ainda mais amplificada por um histórico questionável. Relatórios indicam que, em 2020, a auditoria anterior havia apontado 42 problemas de controle, que, misteriosamente, desapareceram das análises subsequentes. A revelação veio à tona somente agora, em 2025, com a chegada de uma nova auditora independente, reforçando a desconfiança sobre a real extensão das fragilidades na governança e na transparência da companhia em anos cruciais.

Em um cenário onde o varejo brasileiro já testemunhou graves escândalos contábeis, como o da Americanas, que superou os R$ 25 bilhões, e a Via Varejo, com indícios de fraude de R$ 1,19 bilhão, qualquer inconsistência de balanço é vista como um risco sistêmico. A falha nos estoques, seja ela intencional ou por pura ineficiência, atinge o coração da operação e da credibilidade.

A principal lição é que, no mercado de capitais, a confiança é o ativo mais valioso. Quando a precisão de números básicos, como o custo de mercadorias vendidas e o valor de estoque, é posta em dúvida, o investidor questiona a totalidade da gestão. A volatilidade das ações após o anúncio é a prova irrefutável de que o mercado cobra caro pela incerteza. A tarefa agora da varejista é não apenas corrigir os números, mas reconstruir a confiança, demonstrando que seus processos internos estão à altura de sua ambição de crescimento.

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