A transparência orçamentária no Brasil enfrenta um teste. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), acionou a Polícia Federal (PF) para investigar possíveis crimes no uso de emendas parlamentares em quatro cidades, sendo Zabelê, no Cariri da Paraíba, o caso emblemático de como recursos federais podem se diluir rapidamente em contas municipais.
A investigação na pequena Zabelê, de pouco mais de 2 mil habitantes, é sobre o destino de R$ 3 milhões, provenientes de uma emenda enviada pela então deputada federal Edna Henrique (Republicanos), destinados à construção de um parque. Foi apurado que logo após o repasse em 2023, o dinheiro sumiu do caixa específico. Auditorias preliminares indicam um padrão de 30 transferências sequenciais, com valores entre R$ 20 mil e R$ 300 mil, que acabaram por “misturar” a verba carimbada com as despesas correntes da prefeitura. Em dado momento, a conta que deveria abrigar a totalidade do recurso ostentava um saldo irrisório de R$ 240.
Esse mecanismo de escoamento rápido é o que as autoridades chamam de “contas de passagem”, prática que, na avaliação do próprio ministro Dino, “ofende o princípio da rastreabilidade orçamentária” e inviabiliza a fiscalização. A investigação, portanto, transcende o desvio pontual e foca na falha sistêmica do controle das chamadas “Emendas PIX”, que transferem verbas com menos amarras burocráticas.
O sumiço do dinheiro se contrapõe ao anúncio oficial e à promessa de uma nova infraestrutura para a cidade. O ex-prefeito, Dalyson Neves (PSDB), sob cuja gestão ocorreu a movimentação financeira, alegou que o plano de trabalho para o parque só foi formalmente aprovado em janeiro do ano seguinte. Mais ainda, afirmou que o plano original não incluía a aquisição do terreno, um erro técnico que paralisaria qualquer obra.
A sucessora no cargo, Jorsâmara Neves (PSD), prima e ex-vice de Dalyson, endossou a narrativa dos problemas técnicos ao solicitar ao Ministério das Cidades a inclusão da desapropriação do terreno no plano e o alongamento do prazo de execução da obra de 36 para 48 meses. Tal requerimento, assinado pela gestora, projeta a conclusão do parque para muito além do mandato original, citando a aprovação tardia como fator impeditivo para licitações e a regularização da área.
A cronologia dos fatos, no entanto, coloca sob escrutínio a gestão do recurso. Se o recurso foi drenado logo após o depósito, a discussão sobre a inclusão ou não do terreno no plano se torna secundária diante da ausência do principal: o capital.
A determinação do STF de envolver a Polícia Federal adiciona peso criminal à apuração, que já contava com achados do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PB). O objetivo é coibir um ciclo que se repete em municípios de baixa capacidade fiscal: o uso de contas genéricas para diluir o rastro das emendas, transformando o dinheiro destinado a projetos estruturantes em recursos para o custeio da máquina pública ou, potencialmente, para desvios. O desfecho desta investigação definirá o rigor com que o sistema judiciário tratará a rastreabilidade dos bilhões de reais alocados via emendas parlamentares no país.





