Atletismo em alerta: novo caso de mal súbito, dessa vez com com parlamentar, reforça debate sobre limites cardíacos e calor extremo

​Incidente com o deputado Ruy Carneiro nesta quinta-feira (20), dias após a morte de empresário na Meia Maratona, leva especialistas a questionarem a eficácia dos protocolos de check-up para atletas amadores no clima nordestino.

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O cenário das corridas de rua na capital paraibana, habitualmente associado à saúde e qualidade de vida, transformou-se no epicentro de uma discussão médica urgente nesta semana. Na manhã desta quinta-feira, 20 de novembro, a realização da prova “Corrida 100% Você” foi marcada pela apreensão quando o deputado federal Ruy Carneiro necessitou de atendimento médico de emergência após sofrer um “mal súbito” durante o percurso. O parlamentar foi prontamente assistido e estabilizado, mas o episódio reverbera com gravidade por ocorrer menos de quatro dias após a morte do empresário José da Silva Nogueira Netto, de 48 anos, vítima de um colapso fatal na chegada da Meia Maratona de João Pessoa.

O que ocorreu, nos dois casos, expõe uma vulnerabilidade fisiológica muitas vezes subestimada pelos praticantes de atividades de alta intensidade. Embora as circunstâncias clínicas de Carneiro e Nogueira sejam distintas, ambos os casos convergem para o que a medicina esportiva classifica como a “zona de risco cardiovascular”, agravada pelas condições climáticas severas da orla paraibana. Segundo dados meteorológicos locais, a combinação de alta temperatura e umidade relativa do ar cria uma sobrecarga térmica que exige do coração um esforço desproporcional para manter a termorregulação corporal.

Para compreender a fisiopatologia por trás desses colapsos, conversei com o Dr. Nabil Ghorayeb, doutor em Cardiologia pela USP e uma das maiores autoridades do país em Cardiologia do Esporte. Ghorayeb, que liderou as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre o tema, alerta que a morte súbita e os desmaios em provas não são acidentes aleatórios, mas frequentemente o resultado de patologias silenciosas detonadas pelo esforço extremo. “No caso do empresário José Nogueira, laudos preliminares apontaram para uma cardiomiopatia hipertrófica e indícios de infartos prévios”. O especialista explica que alterações genéticas como essa podem passar despercebidas em exames simples de repouso, transformando o coração em uma “bomba-relógio” quando submetido à descarga de adrenalina típica da reta final de uma corrida.

No contexto local, a preocupação recai sobre o impacto ambiental na performance cardíaca. O cardiologista Dr. Fúlvio Petrucci, referência na Paraíba, tem reiterado em discussões clínicas a importância de considerar o fator climático de João Pessoa como um vetor de risco adicional. “Durante a corrida, o corpo sofre um processo de desidratação acelerada e vasodilatação periférica para perder calor. Isso reduz o retorno venoso ao coração, que precisa bater muito mais rápido (taquicardia) para manter a pressão arterial”. Quando um atleta, mesmo que aparentemente saudável como o deputado Ruy Carneiro, atinge seu limiar anaeróbio nessas condições, o risco de síncope ou arritmias complexas aumenta exponencialmente, independentemente do nível de treinamento.

A sequência trágica desta semana reacende a polêmica sobre a obrigatoriedade e a profundidade dos atestados médicos exigidos pelas organizadoras de eventos. Especialistas como o fisiologista Dr. Turíbio Leite de Barros, bio-médico, mestre e doutor pela USP, defendem que a avaliação pré-participação não deve ser vista como uma burocracia, mas como uma ferramenta de sobrevivência. “A simples ausculta cardíaca ou um eletrocardiograma em repouso são insuficientes para detectar como o sistema cardiovascular reagirá quando a frequência cardíaca ultrapassar 170 ou 180 batimentos por minuto”. A recomendação, especialmente para homens acima dos 35 anos, é a realização do teste ergoespirométrico, capaz de simular o estresse real da corrida.

Enquanto o deputado Ruy Carneiro se recupera e a família de José Nogueira vive o luto, a comunidade médica espera que os incidentes sirvam como um divisor de águas na cultura esportiva da região. A ciência demonstra que a corrida de rua continua sendo uma das práticas mais benéficas para a saúde pública, mas os eventos recentes em João Pessoa deixam claro que a linha entre a superação atlética e o colapso biológico é tênue e deve ser monitorada com rigor científico, e não apenas com entusiasmo esportivo.

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