O dia em que a bicicleta de ouro da Encol quebrou

​De gigante indestrutível a poeira: como a Encol faturava US$ 1 Bilhão anual e desapareceu, deixando 42 Mil famílias sem chaves

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​O Brasil é um país que adora construir castelos de cartas e, invariavelmente, pagar a conta do vento. Na década de 1990, a Encol S.A. foi a nossa mais espetacular obra de engenharia… financeira. Em um boom de autoconfiança corporativa, a construtora goiana ostentava a coroa de maior da América Latina, faturando anualmente a cifra impressionante de US$ 1 bilhão.

Controlar 15% do cobiçado mercado de São Paulo não era apenas negócio; era um atestado de invencibilidade.

​O segredo? Um sistema tão engenhoso quanto previsivelmente catastrófico: o famoso “modelo bicicleta”. Para manter o império girando, o dinheiro captado na venda de novos apartamentos servia não para edificar o projeto A que o comprador pagou, mas para cobrir os custos e os buracos do projeto B, C e D. Tratava-se de um esquema de alavancagem financeira voraz, que exigia uma injeção perpétua de clientes otimistas. O crescimento era fulminante, a gestão era péssima, e os lucros eram uma miragem mantida a base de crédito e sonhos alheios.

 

Quando a máquina de vendas engasgou e a economia mostrou seus dentes, o castelo de cartas não caiu: ele foi pulverizado. Em março de 1999, o decreto de falência selou o destino da Encol, revelando um rombo de R$ 2,5 bilhões (valores da época). O que antes era solidez, virou o maior escândalo imobiliário do país.

O preço da gestão temerária e da “engenharia criativa” foi pago por quem menos podia: 42 mil famílias viram a chave de seu apartamento evaporar em meio a 720 edifícios inacabados, enquanto 23 mil funcionários, antes bem empregados, engrossavam as filas do desemprego. Relatórios de auditoria apontaram desvios de dinheiro, sonegação fiscal e uso de caixa dois, transformando o sonho da casa própria em uma longa e penosa batalha judicial.

Curiosamente, o caso Encol legou ao Brasil um dos instrumentos legais mais importantes para a proteção do consumidor: o Patrimônio de Afetação (Lei nº 10.931/2004). Uma medida amarga, que só foi necessária porque, no auge da ambição corporativa, os recursos de cada obra não estavam “afetados” à sua conclusão, mas sim à manutenção de uma farsa.

​Se o empreendedorismo é a arte de correr riscos, a Encol foi a prova de que, na construção civil, quando se cresce rápido demais, você não está construindo, está apenas testando os limites da credulidade do mercado. E a conta, caro leitor, é sempre impagável.

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