A anedota sobre Castor de Andrade e o pedido de chope em uma delegacia transcende o folclore e atinge o centro da complexa relação entre poder, lei e cultura popular no Rio de Janeiro.
A história, mais propagada em rodas de conversa na Zona Norte do que em registros oficiais, narra o momento em que o influente patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel, apelidado de “o surdo”, confrontou a autoridade policial com uma demanda trivial e ousada.
Tudo começou com uma efervescência nos bastidores do carnaval. O “surdo”, que, além de bicheiro, era uma figura onipresente e temida no cenário carioca, teria se exaltado com ritmistas que se atreveram a desafiar sua liderança na véspera de um ensaio. O conflito verbal, carregado de ameaças, escalou rapidamente de uma briga de escola de samba para um inquérito policial.

O desfecho, porém, seria digno de um roteiro improvável. Enquanto o delegado se esforçava para entender a natureza da ofensa – se tratava-se de um crime genuíno ou de uma mera exaltação carnavalesca –, Castor de Andrade demonstrou um domínio absoluto da situação. Dirigindo-se a um policial com uma naturalidade chocante, ele quebrou o silêncio e o formalismo da lei.
”Meu caro,” disse ele, com a secura de quem não tem pressa, “já está resolvido? Porque a garganta está mais seca que o setembro no sertão. É possível providenciar um chope para mim?”

A cena subsequente foi a materialização de seu poder. O ambiente, que antes estava paralisado pela expectativa, viu um oficial recém-formado sair às pressas para buscar o pedido. Em poucos minutos, Castor degustava a bebida, sentado no banco dos acusados com a despreocupação de quem toma sol na varanda de casa, enquanto o aparato legal assistia à subversão de sua própria solenidade.

O desfecho não surpreende: o inquérito foi encerrado, a desavença interna do samba foi superada, e a lenda ganhou seu epílogo lendário, com boatos de que o delegado, convertido pelo carisma ou pela conveniência, se tornara um fervoroso torcedor e, quiçá, colaborador da escola de samba.
A realidade brasileira, pontuada por personagens como Castor, sempre operou fora das linhas do script convencional. Sua habilidade em misturar o universo do crime com o glamour do carnaval e a impunidade, transformando uma delegacia em um palco de espetáculo pessoal, é o que garante a imortalidade dessa história no folclore do Rio de Janeiro.





