O Príncipe e a Papoula: um símbolo de luto levado à lapela

​Em solo brasileiro, o herdeiro ostenta o símbolo do luto britânico, misturando homenagem histórica com um "Poppy Appeal" de US$ 50 milhões.

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O Brasil, sempre receptivo ao glamour real, viu-se hipnotizado por algo inusitado na lapela do Príncipe William: uma papoula vermelha vibrante. Não, não era um souvenir apressado da feira de artesanato de Ipanema, nem uma tentativa de harmonizar com as cores do Flamengo. Era o “Poppy Appeal,” a flor do luto britânico, que transforma a memória da Primeira Guerra Mundial em uma grife filantrópica. Em pleno calor carioca, o herdeiro ostentava um símbolo que cheira a novembro, a névoa inglesa e, claro, a arrecadação de fundos para veteranos.

A coincidência no calendário, a visita terminando na véspera do mês em que a papoula domina o Reino Unido, não é mera formalidade. Enquanto os brasileiros se derretem pela “simpatia e elegância” de William e, inevitavelmente, buscam em seus gestos o eco da saudosa Lady Di, a florage é um lembrete sutil: a realeza é, antes de tudo, uma máquina de tradição e RP (Relações Públicas).

A Royal British Legion agradece. Enquanto a comoção nacional se concentra no “carisma” de William e nas comparações com a mãe, a venda dessas pequenas flores (inspiradas poeticamente por túmulos de guerra em Flandres, transformados em campo de papoulas) garante o caixa para os programas sociais. É um ciclo perfeito: o luto honrado gera caridade, e a caridade é promovida globalmente pela imagem impoluta da realeza. Um marketing de causa com séculos de pedigree.

No meio das selfies com o Cristo Redentor e dos afagos do prefeito, a papoula vermelha é a única nota destoante, quase um anacronismo. Em um país que convive com suas próprias e complexas memórias de conflitos e desigualdades, o luto britânico pela Grande Guerra, que, sejamos francos, está a milhas de distância do imaginário popular brasileiro, parece mais um adorno exótico do que um gesto de profundo significado local. É a prova de que mesmo em uma “visita oficial,” o Príncipe não tira o uniforme.

A verdadeira atração, como sempre, é o fantasma de Diana. O fascínio do Brasil pela “Rainha de Copas” ofusca qualquer pauta diplomática. William, ciente disso, navega habilmente entre a homenagem à mãe e o dever de representar o trono, com a papoula vermelha atuando como um âncora visual que o conecta inequivocamente à sua origem e responsabilidade. No fim das contas, a visita não é só sobre pontes diplomáticas ou comércio; é sobre a duradoura magia da monarquia, capaz de transformar um broche de pano na manchete de um país tropical. E é por essa performance que se paga, seja com a atenção devota da mídia ou com as libras esterlinas destinadas à Royal British Legion.

A homenagem com a flor na lapela foi inspirada no poema In Flanders Fields, do tenente-coronel John McCrae (1872–1918), um médico e cirurgião canadense que serviu na Segunda Batalha de Ypres, na Bélgica.

 

In Flanders Fields

Nos campos de Flandres, as papoulas florescem.

Entre as cruzes, fileira após fileira,

Que marcam o nosso lugar; e no céu

As cotovias, ainda cantando bravamente, voam.

Quase não se ouvia nada em meio ao barulho dos tiros lá embaixo.

Nós somos os Mortos. Há poucos dias.

Vivemos, sentimos o amanhecer, vimos o brilho do pôr do sol,

Amados e amados, e agora jazemos deitados.

Nos campos de Flandres.

Vamos empreender nossa contenda com o inimigo:

A ti, de mãos falhas, lançamos um olhar.

A tocha; que seja sua para mantê-la bem alta.

Se vocês quebrarem a promessa feita a nós que morremos

Não dormiremos, mesmo que cresçam papoulas

Nos campos de Flandres.

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