O retorno do período de matrículas traz um dilema anual para muitas famílias brasileiras: a busca por um ensino de excelência versus o peso crescente das mensalidades. Recentemente, um reajuste médio de 9,8\% nas escolas particulares acendeu um alerta, ultrapassando significativamente a projeção inflacionária, estimada em cerca de 4,8\% pelo Banco Central. A discrepância coloca em xeque a razoabilidade dos aumentos e mobiliza os responsáveis a conhecerem seus direitos.
A Lei nº 9.870/99, que rege a anuidade escolar, não estabelece um limite de percentual para o aumento, mas exige que ele seja justificado. O advogado especialista em Direito do Consumidor, Stefano Ferri, enfatiza que os reajustes devem ser proporcionais à variação dos custos da instituição, como os gastos com folha de pagamento de professores e funcionários, infraestrutura e investimentos pedagógicos.
A transparência é a chave. O Procon esclarece que a escola tem a obrigação legal de apresentar a planilha de custos detalhada que fundamenta o novo valor. Além disso, essa informação deve ser fixada em local acessível e visível na escola com, no mínimo, 45 dias de antecedência da data final para matrícula e rematrícula. O descumprimento desse prazo é passível de denúncia e pode até justificar a recusa dos pais em aceitar o reajuste.
A realidade do aumento de custos é palpável para pais como a enfermeira Joana Rafaelo, de 29 anos. Ao se deparar com valores que superam o seu orçamento para a mudança da filha para o 6º ano do Ensino Fundamental, a mãe solo optou por buscar a rede pública. “É frustrante. Queremos oferecer o melhor, mas com os preços subindo e os salários estagnados, a opção mais viável é o ensino público de qualidade perto de casa”, lamenta. A situação de Joana reflete a dificuldade de milhões de famílias em manter seus filhos em instituições privadas diante de orçamentos cada vez mais apertados.
Outra questão crucial diz respeito aos direitos dos alunos em casos de inadimplência. A legislação brasileira é clara: a falta de pagamento não pode gerar nenhum tipo de sanção pedagógica à criança ou ao adolescente. O advogado Stefano Ferri reforça que a Lei nº 9.870/99 proíbe terminantemente a aplicação de penalidades como impedir o aluno de assistir às aulas, fazer provas, participar de atividades extracurriculares ou reter documentos escolares.
O psicopedagogo Fernando Cunha sentiu na pele o descumprimento dessa regra, quando seu filho foi impedido de participar de uma saída de campo por conta de mensalidades atrasadas. Apesar do pedido de desculpas da direção, o constrangimento não foi desfeito. A escola tem o direito de não renovar a matrícula para o próximo período letivo em caso de dívida, mas não pode interferir no desempenho acadêmico ou emocional do estudante durante o ano corrente.
Como agir diante de um reajuste questionável
Diante de um aumento que extrapola a inflação e parece desarrazoado, os pais devem adotar uma postura ativa:
Exigir a Planilha de Custos: Solicite a documentação que comprove a variação de gastos. Se o reajuste for muito superior à inflação do período (o 9,8\% em relação aos 4,8\% projetados é um exemplo que justifica o questionamento), a escola precisa apresentar justificativas concretas para os novos investimentos.
Analisar o contrato: Verifique se o documento especifica o índice e a data de reajuste, as multas proporcionais em caso de atraso e as condições de devolução de valores em caso de desistência. Cláusulas genéricas que deem margem para aumentos “a critério da escola” devem ser vistas com cautela.
Denunciar: Caso a escola se recuse a apresentar a justificativa ou imponha sanções indevidas, o consumidor deve buscar o Procon. O órgão de defesa do consumidor pode intermediar o conflito e, se necessário, os pais podem acionar a Justiça para pedir a revisão do contrato e a restituição de valores cobrados indevidamente.
A educação de qualidade é um bem inestimável, mas a legalidade e a transparência nas relações de consumo são indispensáveis para proteger o orçamento familiar e a dignidade dos alunos. O conhecimento da lei é o principal instrumento de defesa dos consumidores contra práticas abusivas no setor educacional.
				
											




