No coração da região cafeeira brasileira, algo estranho está sendo cultivado ao mesmo tempo: não apenas volume de grãos, mas também uma armadilha climática. A ONG Coffee Watch acaba de revelar que o desmatamento associado à expansão de plantações de café no Brasil está corroendo os fundamentos climáticos que sustentam justamente essa cultura.

De 2001 a 2023, municípios brasileiros com alta concentração de café perderam mais de 11 milhões de hectares de floresta, dos quais pelo menos 312 803 ha foram diretamente convertidos para o cultivo do café.
Essa mudança de uso do solo está ligada a dois efeitos chave na zona cafeeira: queda nas chuvas ou em sua regularidade. Por exemplo, em partes de Minas Gerais o volume pluviométrico chegou a ficar até 50% abaixo da média em 2014 e diminuição da umidade do solo: dados do satélite SMAP da NASA apontam redução de até 25% em poucos anos em áreas centrais de café.
Resultado? Plantações mais estressadas, menor produtividade e preços que sosobem, ao invés de uma expansão sustentável da cultura.

A ironia é dura: para aumentar a produção, abre-se mais floresta, mas ao remover a cobertura florestal que regula chuvas, infiltração e microclima, a produção futura se esboroa. “O desmatamento para o cultivo de café está matando as chuvas, que estão matando o café”, disse Etelle Higonnet, diretora da ONG.
Além disso, modelagens apontam que até dois terços da área adequada para o café arábica no Brasil podem se tornar inviáveis até 2050 se nada for mudado.
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Como maior produtor mundial de café, o Brasil tem papel crucial e vulnerabilidades claras. A legislação da União Europeia que exige que produtos como o café sejam rastreados quanto a origem em áreas desmatadas coloca o setor sob nova pressão. Para os produtores, não se trata apenas de “plantar mais”, trata-se de plantar diferente.
Se continuar assim, o preço do café pode subir não por impulso de consumo, mas por raridade natural.
A boa notícia é que a própria pesquisa sugere alternativas. Sistemas agroflorestais onde café cresce sob sombra de árvores nativas, mostraram maior estabilidade hídrica, mesmo em anos ruins.
Outro caminho: tornar a expansão da cultura livre de desmatamento, aproveitando terras degradadas em vez de abrir novas frentes.

Já há iniciativas no Brasil voltadas a adequar a cadeia aos requisitos de rastreabilidade do mercado europeu.





